60 quilos de ouro

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60 quilos de ouro

60 QUILOS DE OURO ENTERRADOS ÀS MARGENS DO TIETÊ

Araraquara, ano 1935, lembro-me bem desta data porque as emissoras de rádio anunciavam a morte de Carlos Gardel.

Largo São José, local onde naquela época, por falta de outra opção, reuniam-se os contadores de histórias.

Deralde, preto velho de carapinha branca, contava, e garantia ser verdade, um fato que seu avô Aleixo lhe contara. Esta história é o objetivo deste conto

- Aleixo não!... O seu avô, fazia questão de ser chamado sargento Aleixo.

Aleixo foi um escravo que fugira do eito, descera o rio Tietê, juntara-se com um bando de malfeitores que viviam atormentando as raras pessoas que habitavam aquela região, o oco do sertão.

Rodrigo, filho de espanhóis cursava uma escola militar, excelente aluno, tinha poderosa voz de comando, aprendera logo técnicas militares. Seria um futuro general se não fosse um grande defeito, quando embriagado ficava furioso atirando a esmo. Como punição foi condenado a servir no destacamento do Salto do Avanhandava.

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O rio Tietê nasce próximo ao mar e corre para o interior do Estado de São Paulo, era na época a via preferida para quem se aventurasse desbravar este sertão desconhecido, habitado por índios.

O Salto do Avanhadava ficava a 600 quilômetros da capital do estado de São Paulo, era um grande obstáculo para quem navegava o rio. Era porque agora está submerso pelas águas da represa Nova Avanhandava.

A queda de 12 metros não permitia a passagem dos barcos. A transposição (varação) tinha que ser feita arrastando as embarcações por terra, contornando a depressão (varação, nome que se dá para esta operação, que era feita com a força de boi e por ribeirinhos, arrastando os barcos sobre toras).

Supõe-se que por causa dos militares Paraguaios (século 18) terem invadido nossa terra e chegado até aqui, o governo federal mandou construir na margem direita do salto um posto avançado do exército.

O governador querendo povoar a região mandou formar uma vila que recebeu o nome de Vila Degredo, distante 12 quilômetros do salto. Para ela vieram de varias partes do estado maus elementos, vagabundos, prostitutas, e condenados pela justiça. A vila logo acabou, mais até hoje a região é chamada por Degredo, embora poucos sabem a origem do nome.

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Rodrigo comportou-se bem por algum tempo, até que um dia, embriagado, atirou ferindo um colega de farda. Foi preso, mas aproveitou o descuido dos guardas fugiu rio abaixo levando armas munição e um batelão do exército

Logo encontrou bandidos e como tinha grande capacidade de comando formou seu bando, e Aleixo foi o primeiro a aliar-se. Estranha afinidade surgiu entre ambos, tornaram-se muito amigos.

Caçado com desertor pelo Exército Brasileiro, Rodrigo, que falava muito bem espanhol e o guarani, apresentou-se ao comando do exército paraguaio como sendo espanhol e, pelos seus conhecimentos militares, foi lhe dado o posto de capitão. E para Aleixo o de sargento. Mais este título não valia no Brasil! Aqui Rodrigo era um desertor, e Aleixo escravo fugido.

Durante a guerra do Paraguai, o Exército Brasileiro foi empurrando os militares paraguaios para interior. No ano de 1868 Assunção (Assunción, capital do Paraguai) estava ameaçada de ser sitiada pelo Exército Brasileiro e Solano Lopes, ditador, mandou retirar todo ouro do Banco Central e levá-lo para o interior.

As barra de um quilo de ouro puro cada uma foram carregadas em malas (bruacas) e colocadas em mulas. Cada mula levava 4 arrobas (60 quilos). Rodrigo aproveitou a confusão e roubo uma mula com o ouro.

O desejo de Rodrigo era descer o rio Paraná, chegar até a Argentina, e fugir para a Europa. Mas como, devido a guerra, o rio estava muito policiado pela Marinha Brasileira, o jeito foi margear por terra até a foz do Tietê, roubar um barco e vir subindo o rio até porto Ferreira, já perto da capital de São Paulo. Esta via ele conhecia muito bem!

Quando chegaram no Salto do Avanhadava não puderam passar pelo lado direito porque os militares iam reconhecê-los e seriam presos. Desceram então pelo lado esquerdo carregando o ouro e abrindo caminho na mata.

A malária enfraquecera e dizimava o bando! Poucos escaparam aquela peste e os três que restaram da empreitada não tinham mais condição de prosseguir viagem. Resolveram enterrar o ouro e procurar remédio (quinino) na Vila do Degredo.

Na naquela época tinha poucos bancos, era comum enterrar valores para não serem roubados.

Cavaram um poço de um metro de boca e dois e meio de fundura, colocaram as bruacas com o ouro e cobriam com um pouco terra. Colocaram deitada uma cruz feita de boa madeira, e mais terra, e, no meio de aterro, colocaram outra cruz em pé, mais terra e carvão de lenha, para marcar o lugar. Encheram o poço até boca e socaram bem a terra. Por fim colocaram mato para esconder o local.

As cruzes, de acordo com a crença popular, serviam para espantar espírito, os quais chamariam a atenção os passantes e mostrariam o lugar que o tesouro estava enterrado.

Rodrigo não agüentou a doença, morreu e foi enterrado no caminho que ia para a vila. Contam os antigos moradores da região que existia na beira da estrada uma cruz de madeira, e gravado ela o nome Capitão Rodrigo.

Aleixo foi preso e remetido para fazenda de onde fugiu.

Eu acredito que o ouro esteja ainda enterrado nesta região, os antigos moradores daqui falam vagamente da existência do tesouro, e se o ouro tivesse sido descoberto eles também diriam.

Quanto este ouro for descoberto, vale muito mais como artefato histórico, do que apenas ouro.

 

Contos de Natan